Ao assistir ao filme Dança comigo,
a fala de uma das personagens me chamou atenção. Numa cena Beverly Clark (Susan
Sarandon) explica porque as pessoas se casam: "Porque precisamos de alguém
que testemunhe nossa vida. Com bilhões
de pessoas no planeta o que a vida de alguém significa? Mas no casamento você
promete cuidar de tudo. As coisas boas, as ruins, as terríveis. As coisas
mundanas... Tudo isso, o tempo todo, todos os dias. Você está dizendo:
"sua vida não passará despercebida, porque eu vou perceber, sua vida não
passará sem testemunho, porque eu serei sua testemunha."
Pensando nisso, me lembrei de uma
história que aconteceu dias antes. No
centro de Taguatinga, um trânsito frenético do fim da tarde e lá estava eu esperando
o sinal fechar, agarrada a um poste, enquanto as outras pessoas se arriscavam
no meio do vai e vem dos carros. De repente um senhor bem idoso chegou perto de
mim. Perguntou se eu estava com medo, se queria viver muito. Disse que faria 70
anos, tinha trabalhado não sei quantos anos pro governo, que sua mulher faria
65 anos de idade e eles fariam 45 de casamento. Eu disse a ele que isso era
muito bom e que faltavam apenas cinco anos pra comemorarem bodas de ouro e
continuei olhando pra faixa. Ele insensível a minha pouca atenção, tirou da
carteira uma foto de sua senhora me contando que ela havia ido ver os pais no
Ceará. Eu disse que era bonita (não menti), me admirei dos pais ainda estarem
vivos e permaneci um tanto indiferente, me lembro.
Fiquei meio sem jeito de aquele
senhor estar me contando sua vida toda no tempo em que o semáforo demora a
ficar verde. Abriu o sinal. Disparei, e ele continuou andando ao meu
lado, conversando. Eu até andei mais devagar porque não quis ser grosseira ou
deixá-lo falando só, porém tive que dobrar a esquina e acho que ele tinha que
seguir em frente; fiquei aliviada porque a gente sempre acha que essas pessoas
são um pouco loucas; depois fiquei me sentindo mal porque quando eu tive que
seguir em outra direção, nem olhei pra trás pra me despedir ou ao menos sorrir.
Agora me pergunto por que aquele
senhor abordou uma estranha num sinal de trânsito pra lhe contar um pouco da
sua vida, do seu cotidiano. Será que estamos tão insensíveis e indiferentes
assim? Que não conseguimos nos escutar, nos falar mais? Dividir nossos pequenos
dramas, comédias e romances cotidianos? Falta muita coisa nesse mundo estranho, mas
também falta afeto, cumplicidade, pessoas dispostas a dividirem uma com as
outras essa imensidão que é viver, compartilhar essa humanidade que transborda
em cada um de nós. Precisamos ser testemunhas umas das outras, com
generosidade.
E se alguém também me perguntar
por que eu venho contar minhas amenidades
aqui; de hoje em diante direi que também
estou conversando com um estranho, esperando o sinal ficar verde, pra
continuar.
(um texto para recordar. Escrito
em 2009 com alterações)
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