Minha primeira memória. Eu, aluna. Tímida, ao ponto de só me permitir sair da sala na hora do recreio, para não ter que pedir licença ao professor, não pelo medo de não ser autorizada, mas pela vergonha de simplesmente levantar a voz, falar e ser ouvida por todos. Ser vista. Quanto mais invisível eu pudesse ser, mais me sentia confortável. Era assim.
Meu professor, Jota. Sim, um professor. Na única escolinha rural do interior, do interior do Maranhão, contrariando o costume, um professor alfabetizador levaria ao mundo das letras e das leituras, uma turminha no seu primeiro contato com a escola. Uma criançada que só sabia de passar o dia correndo por aí, brincando livremente nos quintais, roubando mangas e pitombas e subindo em pés de goiaba, se aventurando nos igarapés na época da cheia, inventando aventuras enquanto andava pelas trilhas das roças quando iam deixar o almoço do pai e dos irmãos que colhiam arroz ou plantavam feijão do sustento da família.
Uma típica escolinha no meio do mato nos anos oitenta. Primeiro ou segundo dia de aula, não sei. Mandava a boa pedagogia da época, e claro, meu professor não hesitava em aplicar para nosso êxito; que abríssemos nossa “carta de ABC” na primeira página onde estava todo o alfabeto em maiúsculo e decorássemos letra por letra, na ordem; para depois dar a lição ao mestre, que matreiro desconsiderava a ordem decorada letra após letra que recitávamos quase em forma de canto, e usando uma folha branca com o furinho onde só ficava uma letra à vista, dançava com ela sobre a página sorteando letras aleatórias para nos testar, ao seu bel prazer e pra nosso desespero.
Chegou minha vez, depois de reconhecer a maioria, deu branco. Falhei. Que letra era aquela meu Deus?! Com o alfabeto coberto não dava pra começar apontando do A até chegar a bendita letra e descobrir. Castigo. De costas para o quadro com a minha carta de ABC na mão, devia novamente “estudar” até aprender e de novo dar a lição. Minha sorte é que os que já haviam concluído a pequena prova do dia podiam nos ajudar, e uma das colegas que uns anos mais tarde tentaria me esganar na terceira série, foi minha pequena tutora. Em alguns minutos eu havia aprendido o alfabeto e mostrado ao professor Jota que já sabia o nome de todas as letras. Seguimos adiante.
Logo veio o fim do ano, e eu recebia orgulhosa meu boletim com uma distinção escrita à mão por meu professor. Lembro até hoje de tanto que li e reli satisfeita: “Por mostrar capacidade fará no ano vindouro o primeiro ano do primeiro grau”. Eu iria do 1º pré-escolar da época, direto para o primeiro ano, sem precisar cursar o 2º pré, que muitos cursaram. Um grande feito para mim. O ano se passou leve e suave, porque estas são as duas únicas fortes memórias que guardo relativas à entrada na escola.
Guardo mesmo com carinho essa experiência inicial com a sala de aula, meu primeiro professor, meus colegas, as letras, a confiança em mim. Nada traumático, tudo ternura. A aluna que fui, tudo que vivi ali é parte da profissional que sou. E com meu primeiro professor eu aprendi, além das letras do alfabeto, além de ler e escrever com louvor, a ser a melhor professora possível.
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