No início das férias tem um finzinho de gripe, um começo de faxina. É um limpa que limpa gavetas e papéis velhos que vão embora, e dão mostras que o tempo passa e não vemos. Dois mil e oito, dois mil e nove, parece ontem que comprei a primeira geladeira, diz a nota fiscal amarela.
Parece ontem que tudo começou, me dou conta que só vemos relógios e ponteiros, muitas horas para pouco sentir. Viver, fora dos cronômetros escapa dos sentidos. Saudades do que não se vive.
Olho a janela por volta do meio dia, sol a pino. A luz meio amarelada do sol ofusca os olhos, soa um entardecer poético, mas é cedo para tal. O clima é bom. Alguém sai do prédio, a vida se move, segue. Vejo a imagem de uma moça de calça jeans e uma blusa meio retrô, ainda na calçada, saindo à rua, com guarda sol vermelho e bolsa colorida parece uma cena de filme antigo. Aprecio. Penso que há mais coisas acontecendo nesse mundo agora, do que supõe nossa vã sabedoria. Lembranças desconexas, um súbito sopro de esperança para além do agora. Retorno ao afazeres de hoje, dia de ficar em casa. Mas a poesia do cotidiano mostra que é capaz de nos tirar da melancolia que é enxergar a vida como ela não é.